25 August 2013

A história da menina que tinha medo

 Noutras eras, conheci uma menina bonita.
 Mais que exterior, ela escondia a sua beleza por dentro de si. Era apenas visível nos gestos suaves, no carinho com que brindava os que se cruzavam consigo, no respeito pela grande Natureza que a rodeava. Mas de tão bela, era também sensível. Tal como uma rosa cujas pétalas podem cair ao chão com um pequeno toque, parecia que a sua alma se perderia perante a fealdade que também habita este mundo. Então tinha medo!
 Vi esta menina fugir das situações mais caricatas. Uma vez, andava ela distraída quando se aproximou de uma montanha. Ao ver o que tinha pela frente, correu como se tivesse encontrado um monstro. Depois desse susto, vi-a fugir de pequenas pedrinhas, por lembrarem-na da montanha. Por outra vez, vi-a saltar com o susto de olhar para a sua própria sombra.
 Noutros momentos, surpreendi-me com a sua força.
 Foi capaz de subir à árvore mais alta da floresta porque queria ver mais longe. Foi capaz de entrar numa gruta escura, apesar do medo que isso lhe provocava. Uma vez, vi-a caminhar em frente apesar de ter os olhos vendados.
 
 Fosse pela sua beleza, fosse por esta coragem além do medo, sempre a admirei.
 
 Um dia, decidiu fazer uma viagem de barco!
 Foi à floresta e escolheu as melhores árvores. Falou com cada uma delas, pediu-lhes conselho e autorização. Usou apenas a madeira necessária e construiu um barco perfeito.
 No dia escolhido para embarcar, o mar rugia. Não a vi mas sei que ela chorava por dentro. Desta vez não era por medo, mas por saudade. Saudade da terra sobre a qual tinha os pés. E o mar rugia. Então sentou-se à sua beira, como quem se prepara para uma longa conversa. Era o início da conversa mais longa da sua vida.
 E quando o mar acalmou, lançou-se à água.
 E até hoje, não voltei a saber dela. Mas sei que nunca mais teve medo.

24 January 2013

Conto


  O sino tocou. O Sol no seu alto anuncia o fim da jornada no campo. A torre da igreja orienta no regresso a casa. Pelo caminho é necessário molhar os pés para passar a ribeira que hoje corre. Não é costume nesta época, mas a chuva da véspera ainda desce a encosta. A chuva humedece a terra e lava as almas dos homens e mulheres que se escondem na protecção das telhas barrentas. E por isso a luz neste dia é diferente, tudo brilha mais.
 
  Já próximo da aldeia é necessário baixar a cabeça, mesmo para um homem pequeno, para continuar o trilho. A Natureza criou uma espécie de portal para lembrar as pessoas de olhar para a Terra e ver que é Ela que dá Vida e de onde tudo provém. Agora, do outro lado do portal, sentimos no ar a protecção da aldeia. Esse calor no coração que dá alento. Esse contraste com o vento frio da serra e do mato, que corta a pele e tenta roubar a chama da alma de todos os que se atrevem a lá permanecer.
 
  A torre continua à vista como um farol. Orienta os Homens que regressam a casa e guia as almas para a sua verdadeira morada.
 
  A pouca distância do povoamento vê-se a primeira casa. Da sua chaminé sai um fumo tímido e a imaginação leva-nos para junto do fogo que lhe dá origem. A cuidar das chamas está uma mulher com o seu bebé nos braços. Também ela ouviu o sino e sente cada vez mais próximo o calor do coração que desce a encosta e se aproxima do seu.