Noutras eras, conheci uma menina bonita.
Mais que exterior, ela escondia a sua beleza por dentro de si. Era
apenas visível nos gestos suaves, no carinho com que brindava os que se
cruzavam consigo, no respeito pela grande Natureza que a rodeava. Mas
de tão bela, era também sensível. Tal como uma rosa cujas pétalas podem
cair ao chão com um pequeno toque, parecia que a sua alma se perderia
perante a fealdade que também habita este mundo. Então tinha medo!
Vi esta menina fugir das situações mais caricatas. Uma vez, andava
ela distraída quando se aproximou de uma montanha. Ao ver o que tinha
pela frente, correu como se tivesse encontrado um monstro. Depois desse
susto, vi-a fugir de pequenas pedrinhas, por lembrarem-na da montanha.
Por outra vez, vi-a saltar com o susto de olhar para a sua própria
sombra.
Noutros momentos, surpreendi-me com a sua força.
Foi capaz de subir à árvore mais alta da floresta porque queria
ver mais longe. Foi capaz de entrar numa gruta escura, apesar do medo
que isso lhe provocava. Uma vez, vi-a caminhar em frente apesar de ter
os olhos vendados.
Fosse pela sua beleza, fosse por esta coragem além do medo, sempre a admirei.
Um dia, decidiu fazer uma viagem de barco!
Foi à floresta e escolheu as melhores árvores. Falou com cada uma
delas, pediu-lhes conselho e autorização. Usou apenas a madeira
necessária e construiu um barco perfeito.
No dia escolhido para embarcar, o mar rugia. Não a vi mas sei que
ela chorava por dentro. Desta vez não era por medo, mas por saudade.
Saudade da terra sobre a qual tinha os pés. E o mar rugia. Então
sentou-se à sua beira, como quem se prepara para uma longa conversa. Era
o início da conversa mais longa da sua vida.
E quando o mar acalmou, lançou-se à água.
E até hoje, não voltei a saber dela. Mas sei que nunca mais teve medo.